O astro Lou Gehrig no seu apogeu. Soa contraditório o fato de que um atleta tenha maior probabilidade que uma pessoa normal de adquirir uma doença mortal. Essa possibilidade aumenta se o atleta em questão for um jogador de futebol. E se joga na Liga Italiana, pior ainda. O “Calcio”, como também é conhecido Campeonato Italiano, há anos sofre com os mais variados problemas. Mas a violência dos “tifosi”, o doping, os jogos arranjados, a presença da máfia na diretoria dos clubes não se comparam ao drama que assombrou o mundo do futebol europeu na última quarta-feira.

O amistoso entre o Milan e a Fiorentina, no Estádio Artemio Franchi, em Florença, reuniu grandes craques do passado e do presente. Os “rossoneros” entraram em campo com estrelas como Van Basten, Donadoni e Massaro. Do outro lado, Roberto Baggio era o líder da Fiorentina.Todos para homenagear o ex-jogador de ambos os clubes, o atacante Stefano Borgonovo, 44 anos, que sofre um mal de causas desconhecidas. Uma doença que não deixa mover, falar e nem respirar, mas que mantém a pessoa com a mente intacta.

Borgonovo sofre da Síndrome de Lou Gehrig (foto), uma enfermidade neurodegenerativa, que afeta principalmente as pessoas que têm uma vida fisicamente ativa. Numa manhã, você se sente mais desastrado que o normal. Tropeça sem motivos, derruba coisas com freqüência. Tem dificuldade para realizar tarefas que antes eram normais. Logo começa a perder a mobilidade dos braços, das pernas e acaba perdendo a capacidade de respirar e de tragar saliva.

Nessa fase se encontra Borgonovo, que teve a doença diagnosticada em 2005. O inexplicável fato de que na Itália esse mal tenha atingido seis vezes mais a futebolistas que o resto da população chegou ao conhecimento público através de uma notícia publicada no diário esportivo italiano La Gazzetta dello Sport e repercutiu de forma imediata em toda a Europa.

O medo levou a Federação Italiana de Futebol a pagar 150 mil euros (R$ 440 mil) ao doutor Paolo Zepillo (ex-médico da seleção italiana) para buscar explicações sobre esse problema que assusta a todos no futebol italiano.

Baggio não segurou o choro

A emoção tomou conta dos jogadores e dos torcedores presentes no estádio da Fiorentina. O ex-astro da seleção italiana, Roberto Baggio, conduziu Borgonovo numa cadeira de rodas até a curva “Fiesole”, onde ficam os tifosi do time de Florença. “Borgo gol, Borgo gol”, cantavam os torcedores, lembrando o carinhoso apelido do jogador. Baggio não conseguia segurar as lágrimas. Os brasileiros Kaká, Ronaldinho Gaúcho e Alexandre Pato também se emocionaram.

Baggio se emocionou ao levar o ex-companheiro em cadeira de rodas até a torcida da Fiorentina.

Após o início do jogo, Borgonovo foi conduzido ao banco de reservas. O sintetizador que transmite as palavras da mente dele estava conectado ao placar eletrônico do Artemio Franchi, para que o jogador pudesse agradecer o carinho. Dito e feito: “Obrigado por tudo e isso não tem nada a ver com o futebol”. Essa foi a mensagem de Borgonovo.

39 mortos em 35 anos

A morte pelo mal de Gehrig chega através de uma parada respiratória aproximadamente quatro anos depois de ser detectada a doença, apesar de existirem casos excepcionais como o do físico inglês Stephen Hawking. Os médicos ainda não sabem quais são as causas, mas os últimos estudos falam de predisposição genética, ainda que se suspeitam de fatores ambientais.

Desde 1998, o promotor Raffaele Guariniello investiga a relação dessa enfermidade com o futebol, depois que o professor Adriano Chio revelou um estudo assustador sobre o assunto. O doping pode ser uma das explicações mais aceitáveis. Vários ex-jogadores e ex-técnicos já deixaram nas “entrelinhas”, mais de uma vez, que é verdadeira a suspeita de que, nos anos 80 e 90, dopar-se era uma prática quase comum no futebol da Itália. Isso justificaria, de certa forma, a morte de 39 futebolistas aposentados nos últimos 35 anos. Gianluca Signorini, ex-capitão do Gênova, foi o último deles, em 2002.

Outros fatores foram levados em conta, como as constantes cabeçadas na bola, alguns antiinflamatórios usados para curar lesões, o esforço próprio de um atleta e até os pesticidas usados nos gramados. Todos os fatores relacionados com o futebol foram estudados. Só que as conclusões caem por terra ao constatar que esses fatores também existem em outros esportes e quase não existem casos da doença.

Três casos na Inglaterra

Apesar de que o futebol italiano seja, de longe, o mais afetado pelo Mal de Gehrig, outros países europeus já viveram esse drama. O futebol inglês tem três casos registrados: Don Revie, ex-jogador e ex-treinador do Leeds e da seleção inglesa, que morreu em 1989, aos 62 anos; Rob Hindmarch, ex-Derby County e Sunderland, que faleceu em 2002, aos 41; e Willie Maddren, ex-jogador e técnico do Middlesbrough, falecido em 2000, aos 49. Recentemente, o futebol escocês perdeu o jogador Jimmy Johnstone. Na Espanha e nos demais países do Velho Continente não foram registrados nenhum caso.

A História de Lou Gehrig

Lou Gehrig (Nova Iorque, 1903-1941) foi um batedor dos Yankees de Nova Iorque das décadas de 20 e 30. É uma lenda e é considerado até hoje como um dos maiores jogadores da história do beisebol. Em 1934 bateu um recorde que durou 61 anos: o de jogar 2.130 partidas consecutivas.

Entretanto, quatro anos mais tarde seu rendimento começou a baixar. Não corria igual, não rebatia igual, ninguém se atrevia a questioná-lo, mas as cifras dele foram caindo drasticamente. Até que sua esposa viu que algo não ia bem e decidiram buscar um médico.

No dia que cumpria 36 anos lhe deram o diagnóstico: Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Foi quando decidiu treinar pela última vez com seus companheiros e uns jovens torcedores lhe desejaram sorte. Gehrig comentou a um companheiro: “Me desejam sorte e eu estou morrendo”. Morreu três anos depois e desde então essa doença ficou conhecida como Síndrome de Lou Gehrig.

O Mal de Lou Gehrig:

  • Segundo cálculos, essa enfermidade afeta a uma de cada 10 mil pessoas no mundo.
  • Exitem três tipos da doença: a juvenil, que afeta os jovens; a esporádica, que surge num indivíduo que não tenha antecedentes familiares; e a familiar, que em ocasiões chega a afetar seis ou sete membros de uma mesma família.
  • Mesmo que ainda não existam causas demonstráveis, a doença afeta geralmente pessoas que tenham uma vida fisicamente ativa.
  • Muitos soldados que participaram da 1ª Guerra do Golfo morreram posteriormente por culpa do Mal de Gehrig. Acreditam que possa existir alguma relação com as substâncias químicas que eles tiveram contato.