***´Túnel do Tempo´ é uma seção do blog LD Sport News onde você poderá ver entrevistas e reportagens antigas produzidas na Europa. Personagens conhecidos que se destacaram em algum momento no cenário esportivo europeu e que – muitos deles – ainda seguem com a moral alta no Velho Continente.

Desta vez, trazemos uma entrevista com o exjogador Mazinho, realizada em Barcelona, em 2008. O protagonista foi um dos grandes jogadores do futebol brasileiro dos anos 80 e 90. O tetracampeão com a Seleção Brasileira na Copa de 1994 falou do seu passado glorioso e também dos dois filhos, Thiago e Rafael, que integravam as categorias de base do FC Barcelona na época.***

* Devido à política utilizada nas categorias de base do FC Barcelona, não temos declarações dos garotos. O clube não autoriza qualquer atleta de dar entrevistas antes de ter o seu primeiro contrato profissional.

Thiago (esquerda na foto), Mazinho e Rafael durante um momento da entrevista no FC Barcelona. Foto: LD Sport News (Gloria Tapia)

Polivalência, um preparo físico invejável e muita qualidade técnica. Essas eram as ´armas´ que tinha o jovem Iomar do Nascimento (Santa Rita/PB, 1966), o popular Mazinho, quando decidiu trocar o ambiente humilde onde vivia na Paraíba por uma oportunidade como jogador do Santa Cruz, em 1983. Um talento sem limites que não demoraria para chegar ao Rio de Janeiro. O Vasco da Gama apostou por ele e o tempo mostrou que foi uma das decisões mais acertadas da história do clube.

Depois disso, a trajetória de Mazinho dispensa apresentações. Foi ídolo em todos os clubes onde jogou no Brasil, na Europa e durante sua carreira não faltaram títulos e prêmios individuais. O maior deles, sem dúvida, a Copa do Mundo dos EUA, em 1994. O incansável Mazinho terminou sua carreira em 2001, no Vitória da Bahia e deixou um grande exemplo de profissionalismo, caráter e algo mais para os fãs do futebol, o seus filhos Thiago e Rafael.

Os garotos já atuam nas categorias de base do FC Barcelona e são grandes promessas. Thiago inclusive já estreou no time principal do Barça com somente 16 anos, além de algumas convocações pelas seleções de base da Espanha. Para falar deles e muito mais, o ex-craque do Vasco, Palmeiras e da Seleção Brasileira recebeu o Blog LD Sport News para uma conversa na Cidade Esportiva Joan Gamper, do FC Barcelona. Confira!

LD Sport News – Ter um filho no Barça deve ser um orgulho e tanto. Agora, dois…

Mazinho – (risos) Acho que independente de ser o Barcelona minha felicidade é a de saber que as crianças jogam. O nivel aqui é muito alto e mesmo que eles não joguem pelo time principal do Barça no futuro, é quase certo que pela qualidade da formação deles poderão jogar em qualquer outro clube da Europa.

LD Sport News – Explique um pouco sobre a trajetória deles até chegar ao FC Barcelona.

Mazinho – É um pouco curioso. Eu tinha voltado ao Brasil para encerrar a carreira e aí passei três anos no Rio antes de decidir voltar para a Espanha. Lá no Rio, eles jogaram no CFZ, do Zico e também no Flamengo. Então decidi voltar para Vigo (Espanha), onde tenho minha casa, porque eles já tinham sido alfabetizados em espanhol e seria melhor para o futuro deles. Em Vigo, coloquei eles no Celta, mas aí um diretor me disse que eles não podiam jogar porque eram estrangeiros. Até então, eles não tinham a nacionalidade espanhola. Então, botei eles num time chamado Ureca e ali eles começaram a mostrar suas qualidades. Logo, o próprio Celta veio atrás deles e eu disse que não podia fazer nada, pois já existia a proposta do Barça pelo Thiago.

Thiago e Rafael são duas das novas jóias das categorias de base do FC Barcelona. Foto: LD Sport News (Gloria Tapia)

LD Sport News – Muito clubes queriam o Thiago…

Mazinho – É verdade. O Real Madrid, o Barcelona, o Valência, o Deportivo e o próprio Celta queriam o Thiago. E aí achei o Barça era a melhor opção.

LD Sport News – Por que?

Mazinho – Aqui é normal que os clubes enviem uma passagem aos pais para conhecerem a estrutura onde os garotos vão jogar, estudar e essas coisas. Foi quando vi que a estrutura do Barcelona era a que encaixava melhor na forma como eu desejava ver o Thiago fora de casa. Ele tinha tudo perto, o campo para treinar, shoppings, cinemas, escola, enfim, tudo. Achei que era o melhor ambiente para ele não sentir tantas saudades de casa.

LD Sport News – E você sempre esteve ao lado dele nesse período?

Mazinho – O Thiago teve que viver um tempo sozinho porque morava na concentração. Acho que isso foi muito importante para ele, porque aprendeu a dar mais valor às coisas. Mas depois de uns cinco meses pedi um apartamento ao clube como já tinha combinado. Um tempo depois trouxe o Rafael para fazer um teste e ele só precisou de três treinos. Mas no caso do Rafael ele não morou sozinho. Eu gostaria que ele tivesse vivido a mesma experiência do Thiago. Só que fiquei feliz porque eles sempre foram inseparáveis e um sentia muito a falta do outro, agora é uma alegria vê-los juntos e em um grande clube.

LD Sport News – Ser filho de um tetracampeão ajudou ou atrapalhou o começo deles? Eles sofrem a tradicional cobrança por ser filho de um ex-craque?

Mazinho – No meu caso não atrapalhou em nada. Sempre busquei ficar à margem de tudo, nunca saí falando deles na imprensa, nem nada. Eles ficaram conhecidos por méritos próprios. É normal que as pessoas comparem, principalmente vocês jornalistas. Mas por sorte eles têm a cabeça muito bem formada e isso nunca os afetou. Mas sei que isso acontece. Eu tive uma experiência com um irmão que teve muita cobrança nesse sentido e não soube assimilar a pressão, o que prejudicou a carreira dele.

LD Sport News – O que recomenda para que eles possam chegar a atingir os mesmos êxitos que você conseguiu na carreira?

Mazinho – Na realidade, a minha cobrança com eles sempre foram os estudos. Sempre digo que o futebol hoje para eles é diversão. Mas recomendo muita humildade e que saibam usar a cabeça dentro e fora de campo. Na minha época, tive a felicidade de sair e enfrentar 42 horas de viagem da Paraíba até o Rio para fazer um teste no Vasco e passar. Fiquei duplamente feliz porque o Vasco sempre foi o meu time. Naquela época ganhávamos o suficiente. Ninguém era milionário. Mas éramos felizes porque nos divertíamos jogando.

Thiago venceu no último fim de semana a Eurocopa Sub-21 com a Seleção Espanhola e foi um dos melhores jogadores da competição. O Brasil vai querer desperdiçar esse craque? Foto: LD Sport News (Gloria Tapia)

LD Sport News – No caso dos seus filhos, ambos têm a cidadania espanhola. O Thiago inclusive é um fixo nas categorias de base da Seleção Espanhola. Vão jogar pela Espanha ou pelo Brasil?

Mazinho – Até agora, nenhum deles foi convocado pelo Brasil e é claro que isso seria fenomenal. Só que a Espanha já deu uma oportunidade ao Thiago. Até chegar a uma seleção sub-20 um jogador ainda tem tempo para decidir qual país quer defender como profissional, depois não tem volta. Só que está claro que se a Espanha lhes oferece esta oportunidade eu aconselharei que aproveitem.

LD Sport News – Eu vi o Mazinho como  lateral-esquerdo, direito e meia. Você acha melhor que eles busquem ter a mesma polivalência que a tua?

Mazinho – Acho importante sim. Os dois são meias, mas já vi eles jogarem em outras posições  sem problema nenhum. Eu não tenho muita certeza, mas acredito que sou o único jogador brasileiro que foi à duas Copas em posições diferentes. Em 1990 como lateral e em 1994 como meia. Sempre busquei me adaptar no esquema tático de cada treinador e acho isso ainda mais importante no futebol atual.

LD Sport News – E por falar em treinador, algum marcou a tua carreira?

Mazinho – Aprendi muito com dois treinadores da minha época de juvenil que se chamavam Ênio e Valinhos. Eram muito táticos, sabiam muitas jogadas e organizavam bem a equipe. Mas o que mais me marcou foi o Renê Simões, justo quando fomos disputar um Torneio de Toulon sub-21 com o Brasil. Ele foi o único que percebeu uma falha que eu tinha de só jogar a bola na área, sem uma direção definida. Com ele, aprendi a cruzar na primeira trave, no meio ou no outro lado. Enfim, aprendi a usar melhor os meus recursos.

LD Sport News – Parece que arrumou mesmo essa tua falha. Três vezes ´Bola de Prata’, vários títulos estaduais, brasileiros, Copa América, Mundial…Faltou alguma coisa aí?

Mazinho – (Risos) Faltou sim, a Libertadores. Joguei em dois grandes clubes como o Vasco e o Palmeiras e não consegui esse título. Realmente, para mim é o que completaria um importante leque de conquistas.

LD Sport News – Você viveu todo um período de transição do futebol, do início dos 80 até 2001. O que mudou nos dias de hoje no aspecto técnico e financeiro?

Mazinho – Acho que mudou nos dois aspectos. No lado técnico acho que piorou até por culpa dos treinadores. Como técnico tem vida curta e os times vivem de resultado, muitas vezes prefere botar em campo jogadores mais táticos e de contato físico. O talento vai pro banco. Se você buscar hoje craques brasileiros até pode encontrar, mas nos anos 80 e 90 cada time tinha vários. O fato dos times se transformarem em empresas também influenciou. Agora os clubes movem quantias milionárias de dinheiro e a pressão é muito alta. Acho que toda essa pressão também acabou com um pouco da diversão no futebol. Inclusive já não se fabricam mais os tradicionais camisas ´10´ como antes.

LD Sport News – Você chegou a viver esse ´Eldorado´ de salários do futebol europeu?

Mazinho – Eu peguei o início dessa fase, quando estava na reta final da minha carreira. Os valores passaram a ser astronômicos justo na geração seguinte a do Tetra dos EUA. A nossa geração ainda tinha muito daquela mentalidade de jogar por prazer e para divertir-se.

LD Sport News – Quem não faltaria no teu time?

Mazinho – Eu tive em duas equipes com jogadores de um talento extraordinário que foi aquele Vasco do final dos anos 80 e o Palmeiras do início dos 90. Lembro que no Vasco o nosso médico, o dr. Clóvis Munhoz falava que um dia mataríamos todos do coração. Ele dizia que na nossa zaga ninguém sabia dar chutão, todos saiam jogando mesmo quando estava o maior tumulto na área. Além disso, havia uma irmandade muito bacana. Cada semana era um churrasco, um encontro. Dessas duas equipes, todos deveriam estar no meu time.

LD Sport News – Como seria possível manter por mais tempo no Brasil os novos talentos para que os times voltem a ser como os de antes, cheio de craques?

Mazinho – Há pouco tempo vi uma reportagem do presidente Lula que falava sobre isso. Ele dizia que ia fazer com que os talentos ficassem mais tempo no Brasil. Atualmente, isso é impossível. O governo não ajuda os clubes nesse sentido e ninguém vai querer recusar uma proposta de milhões de euros. Isso poderia mudar, mas necessitaria um grande incentivo financeiro por parte do governo.

LD Sport News – Como vê o atual ´material humano´ da Seleção Brasileira?

Mazinho – Sem dúvida já não é como antes. Hoje em dia você chega a olhar a escalação do Brasil e pergunta onde está jogando a maioria. Muitas vezes têm jogadores que ninguém ouviu falar ou sabe onde joga. O Brasil já não produz craques como antes e isso se nota. É obvio que temos bons jogadores atualmente, mas em uma quantidade muito menor que na minha ou em outras épocas.

LD Sport News – Outros da tua geração já estão atuando como técnico, um exemplo ideal é o próprio Dunga, atual treinador do Brasil. Você vai seguir esse caminho também?

Mazinho –  Eu já tenho o título de treinador no Brasil. Aqui na Espanha só me falta um curso que devo acabar em maio. Aí já terei a licença para treinar qualquer clube da Europa. De momento não tenho nada previsto como técnico até porque estou pensando na educação dos meus filhos. Eles estão numa idade onde é importante que o pai esteja perto deles. Já fui jovem, sei como é morar sozinho em uma concentração. Na minha época, não tive a oportunidade de ter minha família perto e não quero que eles passem o mesmo. Então, eles vivem comigo aqui em Barcelona e têm a mãe em Vigo, com a minha outra filha.

O ex-craque da Seleção Brasileira e campeão do mundo em 1994 conversou durante horas com o jornalista Lucas Duarte. Foto: LD Sport News (Gloria Tapia).

LD Sport News – Foi muito duro o teu começo?

Mazinho – Eu vivi durante três anos na concentração do Vasco onde aprendi a conviver e ter as minhas coisas. Vivíamos um momento difícil, éramos sete irmãos, dez pessoas para viver de duas aposentadorias e para mim era melhor ficar no clube. Eu sabia que o meu dom era o de saber jogar futebol e era minha oportunidade. Com todas as dificuldades aprendi a dar valor à tudo o que vivi. Quando era pequeno lá na Paraíba, jogava sem chuteira. Nossa caneleira era uma atadura e tudo isso mostro para os meus filhos. Hoje em dia, as crianças já têm contratos com empresas de material esportivo e cobram por isso. Então, são valores diferentes, mas também foi algo que evoluiu no futebol.

LD Sport News– Como avalia a tua etapa na Europa?

Mazinho – Acho que os melhores anos da minha carreira foram aqui na Espanha. Pelo Valencia fiz uma final de Copa do Rei e ficamos em segundo na Liga Espanhola. Pelo Celta fiz excelentes temporadas, nas quais fiquei dois anos seguidos entre os melhores estrangeiros na Espanha. Uma pena não ter vencido nada. Na Itália fui bem no Lecce e logo fui para a Fiorentina, onde não joguei muito. Mas sem dúvida, na Espanha vivi uma fase muito feliz.

Ficha Técnica 1

Nome: Thiago Alcântara do Nascimento

Data de Nascimento: 08/04/1991

Local: Brindici (Itália)

Ficha Técnica 2

Nome: Rafael Alcântara do Nascimento

Data de Nascimento: 12/02/1993

Local: São Paulo (SP)


LUCAS DUARTE

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